domingo, 30 de março de 2014

A "luta de classe" na Venezuela

Já chegámos ao genocídio
... E faltava: uma "Primavera Venezuelana".
Doutro lado, Síria, Ucrânia e Venezuela ficam todas aí, bem pertinho uma das outras, é só atravessar a rua: lógica a contaminação.

Seria simples falar desta "Revolução Colorida" da América do Sul com algumas frases já pré-confeccionadas: "é culpa dos Americanos", "este é um trabalho sujo da CIA", "o que querem é o petróleo" e coisas assim.

Mas vamos seguir um caminho diferente: confiamos numa das poucas pessoas que ainda abandonam a secretária para "ir e ver".

Mark Weisbrot, por exemplo.
Mark Weisbrot é um economista americano, colunista e co-director, com Dean Baker, do Center for Economic and Policy Research ("Centro para Pesquisas Económicas e de Políticas Públicas") em Washington.Contribui como comentarista em publicações como o New York Times, o Guardian e a Folha de S. Paulo.

Weisbrot fez mesmo isso: levantou-se e foi até a Venezuela para observar em primeira pessoa o que se passa no País. Depois redigiu um artigo e enviou tudo para o The Guardian, que publicou. Simples, não é?



 A verdade sobre a Venezuela:

uma revolta dos ricos, não uma 'campanha de terror'


As imagens moldam a realidade, o que enviam televisores, vídeos, fotografias são um poder que entra em profundidade nas mentes das pessoas, sem que estas tenham consciência disso. Pensei ser imune a esses retratos repetitivos de uma Venezuela como um Estado fracassado, no meio de uma revolta popular. Mas não estava preparado para o que eu vi em Caracas, neste mês: o quão pouco a vida quotidiana parece ser afectada pelos protestos, a normalidade predominante na maior parte da cidade. Também eu tinha sido enganado pelas imagens dos media.

Os principais meios de comunicação informaram que os pobres da Venezuela não se juntaram aos protestos da oposição de direita, mas este é um eufemismo: não só os pobres que se abstêm em Caracas, mas são quase todos, com a excepção de algumas áreas, como Altamira, onde pequenos grupos de manifestantes entram em confrontos nocturnos com as forças de segurança, atirando pedras, bombas incendiárias e bombas de gás lacrimogéneo.

Caminhando no bairro de Sabana Grande, no centro da cidade, não há sinais de que a Venezuela está à beira de uma "crise" que requer uma acção da Organização dos Estados Americanos (OEA), apesar daquilo que John Kerry afirma.
Mesmo o metro funciona muito bem, apesar de não ter sido capaz de acompanhar-me até a estação em Altamira, onde os rebeldes tinham estabelecido a base das operações, pelo menos até quando não foram acabar com eles nesta semana.
Consegui ver as barricadas pela primeira vez em Los Palos Grandes, área da classe alta, onde os manifestantes têm o apoio popular e os vizinhos gritam contra qualquer um que tente remover as barricadas - uma coisa arriscada ( pelo menos quatro pessoas foram aparentemente mortas por isso). Mas mesmo nas barricadas, a vida era bastante normal, excepto para o tráfego pesado.
No fim de semana , o Parque do Leste estava cheio de famílias suadas e corredores com uma temperatura de trinta graus, famílias que antes de Chávez deveriam ter pago, enquanto os residentes, como me foi dito, ficaram desapontados porque os menos abastados foram autorizados a entrar livremente. Os restaurantes continuam a ser preenchidos durante a noite.

Viajar ajuda a verificar a realidade e eu visitei Caracas, a fim de obter informações, especialmente no campo económico, mesmo que eu estivesse céptico sobre a história relatada diariamente nos meios de comunicação, acerca da falta de matérias-primas como razão dos protestos.

Os habitantes de Altamira e Los Palos Grandes, onde vi os protestos, têm servidores que esperam na fila para o que precisam e têm rendimentos e espaços para acumular estoques. Estas pessoas não estão a sofrer, e vivem muito bem. Os ganhos deles têm crescido a um ritmo acelerado desde que Chávez assumiu o controle da indústria do petróleo, há dez anos.

Eles também têm um grande apoio do governo: qualquer pessoa com um cartão de crédito (excepto para os milhões de pobres e da classe trabalhadora ) tem direito a 3.000 Dólares por ano, com uma taxa de câmbio favorável. Então podem vender o Dólar seis vezes mais caro do que o pagaram, o que significa uma subvenção anual de vários milhões de Dólares para os privilegiados. E ainda assim são eles a base das tropas de "revolução".
A natureza desta luta de classe sempre foi forte e irrefutável, agora mais do que nunca.

Passeando entre as massas que participaram nas cerimónias do aniversário da morte de Chávez, em 5 de Março, vi muitos operários venezuelanos, dezenas de milhares deles. Não havia roupas caras ou sapatos de 300 Dólares. Que contraste com as massas descontentas de Los Palos Grandes, que possuí o Suv Grand Cherokee de 40 mil Dólares e gritam o slogan do momento: Venezuela Sos.

Quanto à Venezuela, John Kerry sabe de que lado está a luta de classes. Na semana passada, mesmo quando eu foi-me embora, o Secretário de Estado dobrou a sua retórica contra o governo, acusando o presidente Nicolas Maduro de fomentar uma "campanha de terror contra o seu próprio povo". Kerry também ameaçou invocar a Carta Democrática da OEA (Organização dos Estados Americanos) contra a Venezuela, bem como a aplicação de sanções.

Invocar a Carta Democrática contra a Venezuela é quase como ameaçar Vladimir Putin com um voto sobre a secessão da Crimeia na Onu. Talvez Kerry não percebeu, mas poucos dias antes das suas ameaças, a OEA aprovou uma resolução que Washington tinha apresentado contra a Venezuela, mas que foi transformada de dentro para fora, declarando "solidariedade" do organismo com o governo regional de Maduro. E foi aprovada pelo vinte e nove países, apenas os governos de direita do Panamá e do Canadá aliaram-se com os Estados Unidos contra ela.

O artigo 21 da Carta Democrática da OEA é aplicado perante "a inconstitucional interrupção da ordem democrática num Estado membro" (como o golpe militar em Honduras em 2009, que Washington ajudou a legitimar, ou o golpe de estado militar em 2002, na Venezuela, com o apoio dos Estados Unidos). Com esta última votação, a OEA poderia invocar a Carta Democrática mais contra o governo dos EUA por causa das mortes provocadas pelos drones contra cidadãos norte-americanos do que contra a Venezuela.

A retórica da "campanha de terror" de Kerry é separada da realidade e, previsivelmente, provocou uma resposta do equivalente secretário da Venezuela, que tem definido Kerry "um assassino". Esta é a verdade sobre as alegações de Kerry desde o início dos protestos na Venezuela: mais pessoas morreram por mão dos manifestantes de que das forças de segurança.

De acordo com as mortes relatadas pelo CEPR (Centro de Investigação em Economia e Política) durante o mês passado, além dos mortos que tentavam remover as barricadas, pelo menos sete foram vitimadas aparentemente devido aos obstáculos criados pelos manifestantes, incluindo um motociclista decapitado por um fio colocado na estrada e cinco oficiais da Guarda Nacional.

No que diz respeito à violência das forças de segurança, três pessoas podem ter sido mortas pela Guarda Nacional e outras forças de segurança, incluindo dois manifestantes e um activista que apoiavam o governo. Algumas pessoas culpam o governo pelas mortes de três outros civis armados, mas num país com uma média de 65 assassinatos por dia é perfeitamente possível que essas pessoas estivessem a agir por conta própria. Um total de 21 membros das forças de segurança está preso por alegados abusos, inclusive por alguns dos assassinatos.
Esta não é uma "campanha de terror".

Ao mesmo tempo, é difícil encontrar uma queixa grave sobre a violenta oposição dos principais líderes. De acordo com os dados da pesquisa, os protestos foram amplamente rejeitado na Venezuela. As pesquisas também sugerem que a maioria dos venezuelanos vêm esses transtornos para o que eles são: uma tentativa de derrubar um governo eleito.

A política interna da posição de Kerry é bastante simples. Dum lado é apoiado pela extrema-direita cubano-americana da lobby da Florida e dos seus aliados neo-conservadores que são a favor dum derrube. Do lado da esquerda não há nada. A Casa Branca não se importa da América Latina e não tem efeitos eleitorais o facto da maioria dos governos do hemisfério estarem a irritar-se com Washington.

Talvez Kerry acredite que a economia venezuelana vai entrar em colapso, levando alguns venezuelanos não ricos a manifestar contra o governo. A situação económica, no entanto, está a estabilizar-se, a inflação mensal caiu em Fevereiro e o mercado paralelo do Dólar caiu acentuadamente, confortado pela notícia de que o governo está a introduzir uma nova taxa com base no mercado. Os Títulos soberanos da Venezuela tiveram um rendimento de 11,5% entre 11 de Fevereiro (dia do início dos protestos) e 13 de Março: o maior rendimento, de acordo com Bloomberg, do mercado dos "emergentes".

Claro, o principal problema da oposição é exactamente este: a próxima eleição irá decorrer dentro de um ano e meio e, na altura, a carência económica e inflação, que têm aumentado ao longo dos últimos 15 meses, irão cair. Portanto, a oposição irá perder a eleição, tal como perdeu todas as eleições nos últimos 15 anos. Além disso, a estratégia da actual "revolução" não está a ajudar a sua causa: até parece ter dividido a oposição.

O único lugar onde a oposição parece ganhar consentimentos é em Washington.

Sem dúvida: há uma luta de classe na Venezuela.
Talvez um pouco diferente daquela preconizada por Marx, mas sempre luta de classe é...
A propósito, eis uma fotografia interessante:
Acreditem ou não, esta é uma das "barricadas" anti-governamentais em Caracas. E a fotografia é do New York Times...

Referência: Informação Incorrecta
Fonte: The Guardian 

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