O jornalista americano Boake Carter disse, em 1938, que "em tempos de guerra, a primeira vítima é a verdade", frase que se tornou célebre e foi confirmada por todas as guerras seguintes.
Enquanto a Síria se esfacela como nação, fica quase impossível saber o que é verdade ou mentira nas notícias que saem de lá, conforme artigo publicado no Estadão de 13/10/13:
A jihad do sexo
As principais mentiras elaboradas pela campanha de desinformação do ditador sírio, Bashar Assad
Christoph Reuters, do Der Spiegel
Sexo vende. E a Al-Qeda está impaciente por chamar a atenção. Mas a combinação de ambos - sexo e jihad - é irresistível. Dezenas de jovens mulheres estão se oferecendo aos jihadistas, segundo uma das mais recentes histórias de horror da mídia procedentes da Síria. Um xeque da Arábia Saudita teria emitido uma fatwa que permite que adolescentes proporcionem alívio a combatentes sexualmente frustrados.
No fim de setembro, Rawan Qadah, de 16 anos, apareceu na TV síria e deu um relato detalhado de como teve de satisfazer sexualmente um insurgente extremista. Quando o ministro do Interior da Tunísia informou que as jovens do seu país estavam viajando para a Síria para a jihad do sexo - e mantinham relações sexuais com 20, 30 e até mesmo 100 rebeldes -, a história ganhou as manchetes dos jornais alemães.
Na Alemanha, os sites do Bild, tabloide de grande circulação, e da revista Focus atraem os leitores com artigos sobre essa "prática bizarra".
Na esteira do massacre com gás tóxico, dia 21 de agosto, Damasco lançou uma importante ofensiva de relações públicas. Mas, além da propaganda oficial, há uma segunda campanha: uma iniciativa secreta e cuidadosamente elaborada para semear a dúvida e desviar a atenção dos crimes do governo. Como muitos desses artigos fictícios, as histórias da jihad do sexo tentam convencer os críticos no exterior da monstruosa depravação dos rebeldes.
Nenhum outro líder da região - nem Saddam Hussein, no Iraque, nem Muamar Kadafi, na Líbia - recorreu a uma propaganda tão maciça quanto Bashar Assad. Sua equipe de relações públicas divulga incessantemente notícias parcialmente ou completamente fabricadas, referentes a atos terroristas contra cristãos, aumento do poderio da Al-Qaeda e a iminente desestabilização da região. As histórias, veiculadas por TVs russas e iranianas e por emissoras cristãs, acabaram sendo transmitidas pela mídia ocidental.
Um exemplo é a lenda das orgias realizadas com terroristas. A menina de 16 anos apresentada na TV estatal pertence a uma destacada família da oposição, em Deraa. Como o regime não conseguiu capturar seu pai, ela foi sequestrada pelas forças de segurança quando voltava da escola, em novembro de 2012.
No mesmo programa, uma segunda mulher confessou que teve de se submeter a práticas sexuais em grupo com membros da fanática Frente Nusra. Entretanto, segundo a família da jovem, ela foi presa na Universidade de Damasco enquanto participava de um protesto contra Assad. Ambas estão desaparecidas. Suas famílias dizem que foram forçadas a fazer declarações na TV, que a história da jihad do sexo é mentira.
Uma suposta jihadista do sexo da Tunísia também desmentiu as notícias quando foi ouvida pela mídia árabe. "É tudo mentira", afirmou. Ela admitiu que esteve na Síria, mas como enfermeira. Diz que é casada e, desde então, fugiu para a Jordânia.
Enquanto a Síria se esfacela como nação, fica quase impossível saber o que é verdade ou mentira nas notícias que saem de lá, conforme artigo publicado no Estadão de 13/10/13:
A jihad do sexo
As principais mentiras elaboradas pela campanha de desinformação do ditador sírio, Bashar Assad
Christoph Reuters, do Der Spiegel
Sexo vende. E a Al-Qeda está impaciente por chamar a atenção. Mas a combinação de ambos - sexo e jihad - é irresistível. Dezenas de jovens mulheres estão se oferecendo aos jihadistas, segundo uma das mais recentes histórias de horror da mídia procedentes da Síria. Um xeque da Arábia Saudita teria emitido uma fatwa que permite que adolescentes proporcionem alívio a combatentes sexualmente frustrados.
No fim de setembro, Rawan Qadah, de 16 anos, apareceu na TV síria e deu um relato detalhado de como teve de satisfazer sexualmente um insurgente extremista. Quando o ministro do Interior da Tunísia informou que as jovens do seu país estavam viajando para a Síria para a jihad do sexo - e mantinham relações sexuais com 20, 30 e até mesmo 100 rebeldes -, a história ganhou as manchetes dos jornais alemães.
Na Alemanha, os sites do Bild, tabloide de grande circulação, e da revista Focus atraem os leitores com artigos sobre essa "prática bizarra".
Na esteira do massacre com gás tóxico, dia 21 de agosto, Damasco lançou uma importante ofensiva de relações públicas. Mas, além da propaganda oficial, há uma segunda campanha: uma iniciativa secreta e cuidadosamente elaborada para semear a dúvida e desviar a atenção dos crimes do governo. Como muitos desses artigos fictícios, as histórias da jihad do sexo tentam convencer os críticos no exterior da monstruosa depravação dos rebeldes.
Nenhum outro líder da região - nem Saddam Hussein, no Iraque, nem Muamar Kadafi, na Líbia - recorreu a uma propaganda tão maciça quanto Bashar Assad. Sua equipe de relações públicas divulga incessantemente notícias parcialmente ou completamente fabricadas, referentes a atos terroristas contra cristãos, aumento do poderio da Al-Qaeda e a iminente desestabilização da região. As histórias, veiculadas por TVs russas e iranianas e por emissoras cristãs, acabaram sendo transmitidas pela mídia ocidental.
Um exemplo é a lenda das orgias realizadas com terroristas. A menina de 16 anos apresentada na TV estatal pertence a uma destacada família da oposição, em Deraa. Como o regime não conseguiu capturar seu pai, ela foi sequestrada pelas forças de segurança quando voltava da escola, em novembro de 2012.
No mesmo programa, uma segunda mulher confessou que teve de se submeter a práticas sexuais em grupo com membros da fanática Frente Nusra. Entretanto, segundo a família da jovem, ela foi presa na Universidade de Damasco enquanto participava de um protesto contra Assad. Ambas estão desaparecidas. Suas famílias dizem que foram forçadas a fazer declarações na TV, que a história da jihad do sexo é mentira.
Uma suposta jihadista do sexo da Tunísia também desmentiu as notícias quando foi ouvida pela mídia árabe. "É tudo mentira", afirmou. Ela admitiu que esteve na Síria, mas como enfermeira. Diz que é casada e, desde então, fugiu para a Jordânia.
Duas organizações de defesa dos direitos humanos tentaram averiguar as informações sobre a jihad do sexo, mas não conseguiram nada de concreto. Parece que o ministro do Interior da Tunísia tinha outros motivos para acreditar no boato: centenas de islamistas deixaram seu país e viajaram para a Síria - e ele tenta conter essa migração desacreditando os combatentes.
O xeque Mohamed al-Arifi, que estaria por trás da fatwa da jihad do sexo, desmente tudo. "Ninguém em seu juízo perfeito aprovaria isso."
É difícil checar todas as histórias de horror na guerra síria. Isso ocorre quando elas são difundidas de maneira indireta, como o caso da maioria dos relatos sobre a perseguição de cristãos. Isso inclui a foto de uma mulher amarrada a um pilar em Alepo, que apareceu no site LiveLeak, em setembro, como se fosse uma cristã que havia sido sequestrada por rebeldes da Al-Qaeda.
Na realidade, embora a foto tenha sido tirada em Alepo, ela data do período em que as tropas de Assad ainda controlavam a cidade. Um vídeo da cena, postado no YouTube no dia 12 de junho de 2012, mostra milícias leais ao regime repreendendo energicamente a mulher.
O regime também forjou a lenda da destruição da aldeia cristã de Maaloula. No início de setembro, rebeldes pertencentes grupos radicais atacaram dois postos militares nos arredores da cidade controlada pelas milícias Shabiha, leais a Assad. Em seguida, os rebeldes se retiraram. O regime, porém, deu a seguinte versão, que chegou a ser publicada pela Associated Press: Terroristas estrangeiros saquearam, queimaram igrejas e ameaçaram decapitar cristãos que se recusaram a converter-se ao Islã.
A história não correspondia aos relatos das freiras do convento de Thekla, em Maaloula, e do patriarca grego ortodoxo de Antioquia. Eles disseram que nada foi danificado e ninguém foi ameaçado. Um repórter russo esclareceu involuntariamente a confusão. Enquanto acompanhava o Exército sírio, ele filmou o ataque a Maaloula, no qual o mosteiro foi bombardeado.
A atual interpretação dos eventos é uma política consciente. A maioria das publicações evita os riscos e o esforço de checar as histórias. Os fatos verdadeiros, como aquele em que os jihadistas queimaram uma igreja na cidade de Rakka, no sul da Síria, mesclam-se com as atrocidades inventadas para influenciar a opinião global.
Até as inconsistências mais gritantes são aceitas sem questionamentos. Quando a mídia oficial noticiou que o imã Mohamed al-Buti, que apoia Assad, foi morto por um suicida em sua mesquita, em 21 de março, todos os rebeldes negaram envolvimento com o ataque. É claro que isso não significa muita coisa, mas mesmo um olho pouco treinado perceberia que as fotos não mostravam sinais de explosão: lustres, ventiladores, tapetes estavam intactos.
Havia, porém, buracos de bala numa parede de mármore e poças de sangue mostravam onde os corpos foram encontrados. Muitas das vítimas estavam com sapatos, o que é extremamente inusitado numa mesquita. Também não havia testemunhas. Tudo alimenta a suspeita de que as vítimas tenham sido forçadas a entrar no edifício e foram assassinadas, para montar o cenário de um ataque que nunca ocorreu.
Depois do ataque com gás sarin, em agosto, a propaganda falhou. Enfrentando uma onda global de indignação, o regime fracassou em explicar a situação. Em primeiro lugar, Assad disse que nada ocorrera. Então, a TV estatal mostrou imagens de um esconderijo rebelde com um tambor com o letreiro descaradamente óbvio "Made in Saudia (sic)". A notícia dizia que se tratava de gás da Arábia Saudita para os "terroristas", que inadvertidamente teriam se envenenado e morrido.
A fonte da história era um site desconhecido, o Mint Press, de Minnesota, norte dos EUA. Um dos autores disse que não tinha nada a ver com o caso.
É difícil checar todas as histórias de horror na guerra síria. Isso ocorre quando elas são difundidas de maneira indireta, como o caso da maioria dos relatos sobre a perseguição de cristãos. Isso inclui a foto de uma mulher amarrada a um pilar em Alepo, que apareceu no site LiveLeak, em setembro, como se fosse uma cristã que havia sido sequestrada por rebeldes da Al-Qaeda.
Na realidade, embora a foto tenha sido tirada em Alepo, ela data do período em que as tropas de Assad ainda controlavam a cidade. Um vídeo da cena, postado no YouTube no dia 12 de junho de 2012, mostra milícias leais ao regime repreendendo energicamente a mulher.
O regime também forjou a lenda da destruição da aldeia cristã de Maaloula. No início de setembro, rebeldes pertencentes grupos radicais atacaram dois postos militares nos arredores da cidade controlada pelas milícias Shabiha, leais a Assad. Em seguida, os rebeldes se retiraram. O regime, porém, deu a seguinte versão, que chegou a ser publicada pela Associated Press: Terroristas estrangeiros saquearam, queimaram igrejas e ameaçaram decapitar cristãos que se recusaram a converter-se ao Islã.
A história não correspondia aos relatos das freiras do convento de Thekla, em Maaloula, e do patriarca grego ortodoxo de Antioquia. Eles disseram que nada foi danificado e ninguém foi ameaçado. Um repórter russo esclareceu involuntariamente a confusão. Enquanto acompanhava o Exército sírio, ele filmou o ataque a Maaloula, no qual o mosteiro foi bombardeado.
A atual interpretação dos eventos é uma política consciente. A maioria das publicações evita os riscos e o esforço de checar as histórias. Os fatos verdadeiros, como aquele em que os jihadistas queimaram uma igreja na cidade de Rakka, no sul da Síria, mesclam-se com as atrocidades inventadas para influenciar a opinião global.
Até as inconsistências mais gritantes são aceitas sem questionamentos. Quando a mídia oficial noticiou que o imã Mohamed al-Buti, que apoia Assad, foi morto por um suicida em sua mesquita, em 21 de março, todos os rebeldes negaram envolvimento com o ataque. É claro que isso não significa muita coisa, mas mesmo um olho pouco treinado perceberia que as fotos não mostravam sinais de explosão: lustres, ventiladores, tapetes estavam intactos.
Havia, porém, buracos de bala numa parede de mármore e poças de sangue mostravam onde os corpos foram encontrados. Muitas das vítimas estavam com sapatos, o que é extremamente inusitado numa mesquita. Também não havia testemunhas. Tudo alimenta a suspeita de que as vítimas tenham sido forçadas a entrar no edifício e foram assassinadas, para montar o cenário de um ataque que nunca ocorreu.
Depois do ataque com gás sarin, em agosto, a propaganda falhou. Enfrentando uma onda global de indignação, o regime fracassou em explicar a situação. Em primeiro lugar, Assad disse que nada ocorrera. Então, a TV estatal mostrou imagens de um esconderijo rebelde com um tambor com o letreiro descaradamente óbvio "Made in Saudia (sic)". A notícia dizia que se tratava de gás da Arábia Saudita para os "terroristas", que inadvertidamente teriam se envenenado e morrido.
A fonte da história era um site desconhecido, o Mint Press, de Minnesota, norte dos EUA. Um dos autores disse que não tinha nada a ver com o caso.
O outro, um jovem jordaniano que usa vários pseudônimos, limitou-se a dizer que estudava no Irã. Entretanto, em um comentário online a um artigo do jornal britânico Daily Mail, ele deu os detalhes que faltavam.
"Algumas pessoas chegaram a Damasco provenientes da Rússia. Fiz amizade com uma delas - que me contou que tinha provas de que os rebeldes haviam usado armas químicas." Dias mais tarde, o chanceler russo citou o artigo como prova da inocência de Assad.
Uma explicação diferente foi apresentada à TV britânica Sky News pela assessora de Assad, Buthaina Shaaban. Ela disse que terroristas haviam sequestrado 300 crianças alauitas, que foram levadas para Damasco e assassinadas para que pudessem ser apresentadas como vítimas. Agora, surge uma nova linha de defesa. Em entrevista à Der Spiegel, Assad diz que o sarin é um gás "de cozinha", porque pode ser feito "em qualquer lugar".
Embora Assad acoberte seus crimes com uma intensa campanha da mídia, ele prefere uma reunião com a imprensa para contar diretamente sua versão. Assim, ele apresenta seu regime como o último baluarte contra o terror global, embora costume ordenar ataques que atribui aos seus adversários.
(Tradução de Anna Capovilla)
Via: O Contorno da Sombra
"Algumas pessoas chegaram a Damasco provenientes da Rússia. Fiz amizade com uma delas - que me contou que tinha provas de que os rebeldes haviam usado armas químicas." Dias mais tarde, o chanceler russo citou o artigo como prova da inocência de Assad.
Uma explicação diferente foi apresentada à TV britânica Sky News pela assessora de Assad, Buthaina Shaaban. Ela disse que terroristas haviam sequestrado 300 crianças alauitas, que foram levadas para Damasco e assassinadas para que pudessem ser apresentadas como vítimas. Agora, surge uma nova linha de defesa. Em entrevista à Der Spiegel, Assad diz que o sarin é um gás "de cozinha", porque pode ser feito "em qualquer lugar".
Embora Assad acoberte seus crimes com uma intensa campanha da mídia, ele prefere uma reunião com a imprensa para contar diretamente sua versão. Assim, ele apresenta seu regime como o último baluarte contra o terror global, embora costume ordenar ataques que atribui aos seus adversários.
(Tradução de Anna Capovilla)
Via: O Contorno da Sombra
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