quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

No embalo do papa, patriarca de Constantinopla quer acelerar reformas entre ortodoxos

Matéria publicada no IHU:

Patriarca de Constantinopla convoca reunião sem precedentes


Com um movimento que surpreendeu a todos, o patriarca ecumênico de Constantinopla, Bartolomeu I (foto), convocou a todos os primazes das Igrejas ortodoxas para uma reunião marcada para março deste ano, na sede patriarcal do Corno de Ouro (Istambul). Nela serão estabelecidos o cronograma e as práticas do trabalho da comissão organizadora que está preparando o Sínodo, previsto para 2015. O informe do encontro se deu via artigo assinado por Nat da Polis e publicado pela agência AsiaNews que, de maneira informal, também aborda o plano de fundo que inspira tal iniciativa patriarcal: trata-se de “uma tentativa de sair de uma marginalidade, decorrente de uma mentalidade provincial que tem caracterizado as igrejas ortodoxas na idade moderna”, assim como o “nacionalismo” que tem marcado a fisionomia de tantas igrejas ortodoxas no último século. Constantinopla, de acordo com a convocatória, quer lembrar às outras igrejas ortodoxas que não se pode enfrentar os desafios colocados pela globalização sem ações conjuntas.

A reportagem é de Gianni Valente, publicada por Vatican Insider, 07-01-2014. A tradução é do Cepat.

Pisando no acelerador do “Santo e Grande Concílio”, Bartolomeu também aponta para a necessidade de reafirmar o papel do Primus inter pares entre os patriarcas ortodoxos. Há décadas a ortodoxia esforça-se, e com urgência, para dar vida a uma igreja que possa enfrentar os problemas relativos à presença ortodoxa na época atual. Ao lado do Patriarca ecumênico, está o Metropolita de Pérgano, Ioannis Zizioulas, considerado por muitos como o maior teólogo cristão vivo. Zizioulas há tempos aponta para os riscos de uma “intervenção” do mundo ortodoxo. Para ele, a ortodoxia tem a necessidade de viver uma experiência sinodal de um grande respiro, comparável a que os católicos vêm tendo com o Concílio Vaticano II, caso não queiram se fechar em guetos de auto-marginalização. 
 
Em seu livro “Ortodoxia e o Mundo moderno”, Zizoulas escreve que o maior perigo para a Ortodoxia, assim como para todo o mundo cristão, “não é o ateísmo, o poder secular ou seus muitos inimigos”, mas “a fuga da realidade histórica e a busca contínua da sua identidade própria fixada apenas no passado”, particularmente cultivada entre homens da Igreja tomados por uma “autocomplacência narcisista que leva a contraposições estéreis”. Palavras que convocam, especialmente, para os apelos sobre os perigos de uma igreja “auto-referêncial”, como já disse mais de uma vez o Papa Francisco.

De fato, as palavras e atitudes do atual bispo de Roma parecem ter tomado um efeito dominó no campo ortodoxo. O Patriarca ecumênico Bartolomeu reuniu as possibilidades, abertas em âmbito ecumênico, com o início do novo Pontificado. Sua presença na missa inaugural do ministério petrino de Francisco e o encontro, anunciado para o próximo mês de maio, entre os sucessores dos irmãos apostólicos Pedro e André em Jerusalém, indicam o princípio de um caminho que está se iniciando, mas cujo desenvolvimento ainda é inimaginável. Todavia o “modus operandi” do Papa argentino também tem saltado aos olhos da Ortodoxia matriz moscovita, com suas iniciativas inéditas.
 
O sinal da cruz e o abraço que Vladimir Putin e o Papa deram juntos a imagem da Madona de Vladimir, importante símbolo religioso da fé ortodoxa russa, quando o presidente russo visitou o Vaticano, ficaram marcados no imaginário coletivo dos russos ortodoxos. Por outro lado, os homens fortes do Patriarcado de Moscou – incluindo Hilarion di Volokolamsk, que também foi recebido pelo Papa Francisco – reforçaram sua preferência por um diálogo que privilegia um terreno comum de defesa dos valores morais e cristãos pelas comunidas do Oriente Médio que sofrem, ao invés de apontar para a questão da dissolução do “nó teológico” representado pelo ministério petrino.
 
No final de dezembro, o Sínodo da Igreja ortodoxa russa insiste em seu “não” ao documento de Ravenna, o texto de trabalho produzido pela Comissão Mista para o Diálogo Teológico entre a Igreja Católica e as Igrejas Ortodoxas, em que buscava-se desenhar uma doutrina teológica do Primato que também fosse “sustentável” para os ortodoxos.

A relação com o Papa Francisco é tomada como catalisadoras das iniciativas nunca concluídas, no âmbito ortodoxo, entre Moscou e Constantinopla. Mas o que também pode fazer emergir outras contradições que nascem no seio da Ortodoxia. A imagem do pastor esquecido de si mesmo e cheio de paixão apostólica, oferecida por Bergoglio, abre uma brecha para a simpatia frente aos fiéis ortodoxos.
 
E surgem, inevitavelmente, as comparações com outro clero, o das igrejas ortodoxas, nas quais, muitos de seus representantes alegram-se em ter uma nomenclatura privilegiada. Nestes dias, após os escândalos dos eclesiásticos que causaram vítimas por sua condução errônea, foi criada na Rússia uma polêmica contra o suposto “lobby gay” que opera dentro do Patriarcado do Moscou, denunciado pelo prótodiacono-blogger Andrei Kuraev. Uma história que pode ter resultados imprevisíveis. 
 

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