Na cena agendada pela Rede Globo para 10 de outubro, Perséfone (Fabiana Karla) perde a virgindade em “Amor à Vida”, bem ao estilo dos conto de fadas: na noite de núpcias, após seu casamento com Daniel (Rodrigo Andrade). Experimentar os prazeres do sexo e conseguir um marido constituem o final feliz tão almejado pela personagem, que foi achincalhada por ser gorda durante toda a novela (até pelos personagens considerados “mocinhos”).
Embora com pinceladas cômicas, as desventuras de Perséfone têm desagradado uma parcela significativa de telespectadores, inconformados com o tratamento dado a ela e que, agora, é recompensado com a conquista de um homem. Descontentes com o perfil da enfermeira –mostrada como ingênua, boba, desesperada para arranjar um parceiro–, blogueiras plus size chegaram a criar uma petição online para o autor Walcyr Carrasco mudar os rumos da personagem, mas não tiveram seus desejos atendidos.
Tanto o autor quanto a atriz Fabiana Karla defenderam que os momentos humilhantes da personagem servem para mostrar como os obesos sofrem preconceito na vida real e, de uma forma leve e divertida, conscientizar sobre o assunto.Segundo especialistas em comportamento, no entanto, não é bem assim. Embora retrate, sim, algumas situações verídicas, Perséfone o faz de maneira caricatural e estereotipada.
“O físico não deveria ser o principal ponto de atenção. A mulher precisa ser mostrada como ela é, como um todo. Afinal, a pessoa vale pelo seu todo ou vale quanto pesa?”, questiona o psiquiatra Arthur Kaufman, fundador e coordenador do Programa de Atendimento ao Obeso do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínica da USP (Universidade de São Paulo).
Machismo e preconceito. Na opinião da psicóloga Rejane Sbrissa, que trabalha com terapia para tratamento da obesidade, a trajetória de Perséfone reforça a ideia de que a pessoa obesa precisa ser sempre simpática, prestativa e bem-humorada para “compensar” o fato de estar acima do peso. ”Ela se força a ser sempre legal para se sentir aceita e mais querida pelos outros”, conta.
O psicólogo Marco Antonio de Tommaso, credenciado pela Associação Brasileira para Estudo da Obesidade, completa: “Faz parte do estigma da obesidade mostrar nas novelas e nos filmes a gorda boazinha de coração puro, que mantém os bons sentimentos mesmo que os outros caçoem dela. A gordinha precisa sobreviver e assume um personagem para atenuar a rejeição e a discriminação”.
É preciso considerar que, na vida real, algumas mulheres se sentem mesmo mais valorizadas quando arrumam um namorado. No caso das que estão acima do peso, isso acontece devido à enorme pressão social que sofrem para emagrecer. “É comum familiares e amigos falarem que elas ficarão sozinhas, pois nenhum sujeito deseja assumir um compromisso com uma mulher gorda”, declara Rejane Sbrissa.
Para a psicóloga especializada em imagem Marjorie Vicente, Perséfone também contribui para fortalecer outros preconceitos: “A gordinha é vista como solitária, não desejável. Apesar de toda a modernidade, ainda hoje a sociedade cobra que as pessoas se relacionem, namorem, casem e tenham filhos.
E considera tudo isso menos provável para alguém fora dos padrões. Uma mulher solteira e acima do peso é vista como um caso perdido”, diz. Por isso, Daniel é tido como um prêmio para a personagem de “Amor à Vida”.
O estereótipo da desesperada Antes de se envolver com o fisioterapeuta da novela, Perséfone viveu situações constrangedoras ao tentar conquistar outros rapazes. Ao exibir tentativas de sedução frustradas, a maioria por conta da forma física de Perséfone, a novela solidificou conceitos machistas de que é muito difícil aceitar que um homem atraente se interesse por uma mulher que não seja magra.
Da mesma maneira que as pessoas, em geral, aceitam melhor o grisalho do que a grisalha e um casal formado por um homem mais velho e uma mulher mais nova, do que o contrario, também encaram com maior naturalidade um gordinho acompanhado de uma mulher esbelta.
“Essa avaliação é resquício de um padrão sociocultural de uma época em que a mulher estava e tinha de estar submetida ao homem. Seus maiores valores eram a beleza dentro dos padrões e os dotes de esposa, como cozinhar, bordar, procriar, servir”, afirma Arthur Kaufman.
A impressão é de que o homem tem mais direito de “estar em desvantagem” do que a mulher. “Há uma corrente de teóricos que acreditam que, com tantos avanços femininos, a ditadura do corpo ideal é uma forma de ainda deter a mulher. E faz sentido, já que a maior parte acaba cedendo à pressão”, diz Marjorie Vicente.
Para Rejane Sbrissa, TV, publicidade e cinema deveriam enxergar a mulher obesa como outra qualquer. “Mostrá-las como pessoas independentes, bem-sucedidas, elegantes, paqueradas e amadas ajudaria demais as mulheres da vida real a se amarem e a se valorizarem mais. Não há estímulo maior do que ser tratado com respeito”.
Referência: Rede Esgoto de Televisão
Fonte: http://www.boainformacao.com.br/
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